Desmembrando o déficit calórico!

É indiscutível que, sempre que desejamos emagrecer (reduzir a gordura corporal), escutamos a seguinte frase “basta realizar déficit calórico”. Entretanto, quando partimos para a prática - mais conhecida como “vida real” -, nos deparamos com um cenário muito menos simples do que isso.
O emagrecimento não é um processo linear, em que se aplica um déficit de X calorias, diariamente, e se atinge o peso desejado em tantos dias... Isso não ocorre justamente porque nós, seres humanos, não somos “máquinas térmicas perfeitas”, em que se entra a mesmíssima quantidade de calorias diariamente pela dieta, e se gasta a quantidade Y de calorias diariamente. Não é assim que somos e, inevitavelmente, sempre haverá uma diferença a cada dia (um dia você gasta mais calorias e no outro você gasta menos, e provavelmente você nem perceberá). Além disso, há diversas alterações fisiológicas - e normais – no processo de perda de peso, o que também contribui para a “não linearidade” do processo de perda de peso!
Antes de prosseguir, é importante entendermos, de uma vez por todas, o déficit de calorias e os componentes do gasto energético total (também conhecido como “GET”). O GET é composto por três tópicos principais: o gasto energético basal (GEB), o gasto energético com atividade física (GAF = NEAT + exercício físico) e o efeito térmico dos alimentos (ETA).
O GEB - também chamado de “taxa metabólica basal” (TMB) e de “gasto energético em repouso” (GER) - pode ser definido como todo e qualquer gasto de calorias/energia necessário, dia após dia, para manter o nosso organismo vivo! Esse GEB tende a ser o principal contribuinte para o nosso GET, já que todos os nossos órgãos e tecidos necessitam de energia (na forma de ATP) para executarem suas atividades vitais. O nosso cérebro, por exemplo, é um dos órgãos que mais consomem energia proporcionalmente a sua área (o tecido cerebral é um ávido consumidor de glicose). E é justamente por isso que pessoas com composições corporais diferentes, terão consequentemente um gasto calórico basal diferente! Um kg de tecido muscular proporciona um aumento de cerca de 13 calorias no GEB, enquanto um kg de tecido adiposo aumenta o GEB em menos de 5 calorias.
Além disso, é evidente que um indivíduo de 100kg terá um gasto basal maior que um indivíduo de 60kg, já que o primeiro possui muito mais massa de tecidos e de órgãos para sustentar energeticamente, todos os dias. Por fim, vale destacar que o GEB pode sofrer influência de outras variáveis além do peso e da composição corporal, como o sexo (homens tendem a ter um gasto basal maior que mulheres), faixa etária (há uma leve redução do GER com o avanço da idade), patologias presentes (doenças catabólicas como o câncer, ou simplesmente um quadro de febre, aumentam o gasto em repouso) e também uso de fármacos (o uso de hormônios tireoidianos, por exemplo, pode elevar significativamente o gasto em repouso).
O GAF é o componente do gasto energético que mais tende a variar entre os indivíduos, isso porque algumas pessoas têm o costume de realmente se movimentar muito (seja caminhando o dia inteiro/ficando muitas horas em pé ou seja praticando um exercício físico programado com frequência e intensidade) enquanto outras costumam passar praticamente o dia inteiro em repouso e/ou são sedentárias. O “NEAT” compreende o gasto energético não relacionado ao exercício físico, ou seja, é todo e qualquer gasto com movimentações diárias que não envolvam especificamente o treino que a pessoa faz na academia, por exemplo. Inclusive, já há diversos estudos demonstrando a importância e relevância de investir em um aumento do NEAT quando há intenção de aumentar o déficit calórico diário e, consequentemente, emagrecer! Ou seja, se movimentar mais durante o dia, priorizar caminhadas, utilizar escadas e se manter mais em pé do que sentado, tende ser extremamente vantajoso pensando em perda de peso.
O ETA é o componente que menos contribui com o GET (cerca de 10%), mas é visto que dietas mais ricas em proteínas tendem a exigir um gasto calórico um pouco maior para serem metabolizadas no organismo.
Agora que conhecemos todos os componentes do GET, precisamos entender o que é, especificamente, o déficit calórico. Observe o exemplo: fulano gasta, ao todo, cerca de 2.500 calorias ao dia (ou seja, seu GET é de 2.500kcal), incluindo seu treino na academia e aeróbico em casa... Mas fulano decidiu que quer emagrecer e, portanto, seu nutricionista elaborou uma dieta que continha 2.000kcal em alimentos que deveriam ser consumidos por fulano. Ou seja, o plano alimentar desse indivíduo tem 500 calorias a MENOS que seu gasto calórico diário, logo, fulano está “tirando” mais energia do seu corpo do que “colocando” (através das energias dos alimentos). Essa diferença entre o que entra e o que sai é o que chamamos de déficit calórico, e esse cenário compreende o que chamamos de “balanço energético negativo” (a ingestão calórica está inferior ao gasto calórico). Se há menos energia entrando, o seu organismo será obrigado a retirar energia do teu estoque corporal (tecido adiposo), afinal os teus órgãos continuam precisando de energia para realizar as respectivas atividades. Se o estoque de gordura corporal está reduzindo, obviamente, o emagrecimento está ocorrendo.
Por último e não menos importante, conforme dito no início do texto, esse processo não é linear e o déficit calórico escolhido na dieta deve ser sempre REAJUSTADO conforme o paciente vai perdendo peso (afinal, se há menor peso corporal, há menos tecidos precisando de energia e, consequentemente, a ingestão calórica pela dieta deverá ser diminuída para manter a evolução na perda de gordura corpórea).